A Caça



Nome Original: Jagten
Ano: 2012
Diretor: Thomas Vinterberg
País: Dinamarca e Suécia
Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wedderkopp.
Prêmios: Melhor Filme Independente Internacional no British Independent Film Awards, Melhor Ator (Mads), Premio do Júri Ecumênico, Vulcain Prize for the Technical Artist do Festival de Cannes e Melhor Roteiro no European Film Award.
A Caça (2012) on IMDb

  



Thomas Vinterberg fez um dos melhores filmes do ano até agora.

Não poder confiar em alguém que chama de amigo é um aborto natural. Uma decepção infinita. O auge da infelicidade. Lucas nunca mais terá felicidade em sua vida. Mas antes do inferno instaurado, a vida dele numa pacata cidade dinamarquesa era absolutamente controlada. Trabalhando na creche, automaticamente conhecia todos os pais e crianças com muita propriedade, carinho e respeito. Mas um passo em falso, uma titubeada, uma mentira podem colocar a prova uma confiança criada em anos.  Um bater de asas de um beija-flor, um piscar de olhos, uma gota que cai do céu, um tiro que vem em nossa direção sem saber de onde. Achar culpados é ineficaz. Jogar a culpa em alguém sem averiguar os fatos é mais fácil, cômodo. Quero ver curar uma cicatriz causada pela tristeza.



Uma estrela como Mads Mikkelsen ajuda na construção de um personagem que é complexo em sua natureza e simples em suas atitudes. Uma história atual, viva, pulsante onde vemos que uma pequena mentira, por mais infantil e ingênua que possa parecer, tem poder para tornar anjo em demônio, pai em monstro, amor em cólera. Infelizmente num mundo que a maldade impera, provar que a verdade é verdade é uma obrigação diária. Reitero, Thomas Vinterberg fez um dos melhores filmes que vi em 2013. O cinema dinamarquês é um exemplo para todo o mundo de como contar uma boa história. O tiro veio, mas não sei de onde.



Há cenas que não saem da nossas cabeças. A igreja, o supermercado, o cão... Nossa. Que filme! Escrever sobre ele é bobagem, é necessário vê-lo.

Vitor Stefano
Sessões

Comentários

  1. O trajeto do professor Lucas (Mads Mikkelsen) frente acusação de abuso sexual no filme A Caça (Jagten, 2012) pretende causar um curioso constrangimento no espectador. A origem do desconforto repousa não na constatação de um comportamento hediondo por parte de um homem de 42 anos que molesta uma menina no Jardim de Infância, mas justamente no seu contrário. O espectador, cumplice da inocência de Lucas percorre um austero claustro formado em torno da situação. Em menos de um mês a cidade inteira está praticando a ojeriza ao professor.
    Klara (Anikka Wedderkopp) é uma menina distraída e com muita imaginação. Aluna da creche onde Lucas trabalha ela começa a criar uma forte afeição para com o professor que é o melhor amigo de seu pai, Theo (Thomas Bo Larsen). Certo dia ela entrega um bilhete à Lucas e lhe dá um beijo na boca num momento de distração. Imediatamente reprimida pelo professor a garota se obstina em promover uma vingança a sua afeição não correspondida. Conta à diretora Grethe que ele haveria lhe mostrado seu “pipi” ereto. A partir daí a caçada é iniciada. Primeiro com a consulta ao assistente social Ole na qual, apesar da recusa inicial da menina, faz com que ambos tenham certeza da culpa de Lucas e concordam com a necessidade de denúncia às autoridades competentes.
    A sucessão dos acontecimentos é absolutamente tensa. Grethe comunica os pais da creche do possível abuso e reitera a possibilidade de haverem mais vítimas. Lucas é demitido, é privado de ver o seu filho Marcus (Lasse Folgelstrom) que vive com a mãe Kirsten devido ao divorcio dos pais. Theo o ameaça de morte, o gerente e os funcionários do mercado espancam o professor. O pequeno povoado rural na Dinamarca está totalmente contra ele. O ápice das ameaças e da humilhação ocorre justamente próximo ao Natal. Recebe uma pedrada pela janela da cozinha e encontra sua cachorra Fanny morta em represália aos supostos acontecimentos sob o qual está sendo acusado. Afasta-se de seu filho, manda sua namorada Nadja embora por ter duvidado de sua conduta, se afasta de Bruun, um dos poucos amigos restantes que acreditam nele, e se entrega a solidão e à bebida.
    As cenas mais emocionantes se dão ao final do filme. Cheio de indignação e angústia, Lucas se arruma e decide ir à missa de Natal, onde a cidade inteira estará presente. Lá estão todos seus amigos: Bent, Dan, Joergen, Theo. Sua namorada rege o coro das crianças do Jardim de Infância, o que deixa Lucas completamente desolado. Diante disso ele ataca Theo e o convoca a olhá-lo nos olhos e refletir sobre tudo que estava acontecendo. Theo, abalado pela situação resolve visitar o amigo e após isso há uma aparente reconciliação e esclarecimento entre Lucas e toda a comunidade.
    No dia 16 de outubro é a cerimônia de obtenção da licença de Caça de Marcus. Todos já aceitaram Lucas de volta e aparentemente não há rancor da comunidade. A plateia é convocada a uma emoção estranha quando Lucas pega Klara no colo. É um momento de reconhecimento da verdade fabricada e do poder que ela comporta. O publico será surpreendido ao final com um tiro disparado na direção de Lucas durante a primeira manhã de caça do filho.
    Com algumas ideias de Michel Foucault poderemos analisar o filme como uma potente forma de debater os regimes de verdade fabricados na sociedade contemporânea e nos seus desdobramentos para a instituição escolar e para o ato pedagógico.

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    1. Temos aqui uma situação que ofende o imaginário do povoado. Essa mentira forja um estatuto de verdade que irá ser assumido por todos. Percebe-se uma ampla abordagem discursiva que enfatiza o caráter cruel da suposta ação sustentada em uma série de imperativos morais: “trato”, “acordo”, “verdade”, “mentira”, “partes íntimas”, “coisa imprópria entre adultos e crianças”, “coisas nojentas”, “tarado” sustentam a pletora discursiva em ataque a Lucas.
      Trata-se de um mecanismo que se manifesta, de um lado, fazendo valer um discurso de normalidade e conduta amparado numa ideia generalizada das ideias psi: as crianças abusadas sofrerão de “sintomas” como voltar a urinar na cama, dores de cabeça e pesadelos. A obsessão coletiva chega a fazer com que as crianças imaginem um porão inexistente. Há intensões e poderes correndo nas mãos dessa diretora e dessa comunidade. São evocados os ditames de um estatuto de saber sobre a pedofilia e toda a acusação se passa tendo em vista arraigados parâmetros morais de avaliação. As tecnologias do eu, aqui, proporcionam um desesperado recurso a um poder a fim de definir um culpado rapidamente para as circunstâncias formadas. Elas promovem o convencimento e a fabricação de uma subjetividade e de uma série de emoções e sentimentos que derivam em situações de repúdio coletivo ao professor.
      De outro lado, se procura levar a cabo o discurso legal e psíquico o tempo todo para o domínio da verdade sem nunca se deter aos acontecimentos e às falas da menina Klara. É como se Lucas estivesse sido circunscrito numa ameaça à comunidade, inclusive por viver sozinho numa casa grande e ter ficado algum tempo sem emprego. A sociedade vai procurar eliminar e isolar toda e qualquer ameaça a sua normalidade e boa conduta.
      Essa reflexão lança luz num importante debate sobre a condição da ação pedagógica na sociedade contemporânea. Notadamente, se entende que a instituição escolar é dotada de uma capacidade única de promover a cultura formal e os valores mais nobres da civilização ocidental. Junto disso é levado em conta o advento da ideia de infância e sua alocação num lugar idílico, sem mentira, puro, além de uma pesada discursividade desenvolvimentista e da interioridade. É sabido: a escola recebe reservas de lugar pleno e salvador da condição de escuridão do ser humano. É preciso colocar em questão o lugar desses mecanismos de subjetivação que se alimentam de um discurso disseminado de que o conhecimento transforma o homem (estatuto do saber), de que há um homem comum (estatuto do sujeito) possível a qualquer circunstância.
      Para além da celeuma pedagógica que notadamente irá discutir a relação professor-aluno como um lugar de encontro de pessoas em idades e trajetórias diferentes, é preciso pensar em como são regidas as possibilidades do real numa sociedade cada vez mais escolarizada. Especialistas, pais, cidadãos comuns são convidados e convocados à contribuir com a elaboração de uma escola moralmente aceita, baseada na subjetividade produtivista e individualista na cultura capital. Estamos diante da caça às bruxas pois o lugar de dissenso está sempre e a todo tempo sendo forçado a reencontrar a norma e o lugar de correção tendo por base os valores da civilização ocidental, judaico-cristã, capitalista. Em suma, queremos fabricar o self made man puro e moralmente aceito.
      A Caça nos permite um constrangimento sobre a fabricação da verdade, sobre a validade dos discursos de normalidade e desenvolvimento pedagógico, sobre a conduta e a ética do ato de docência. Uma ética possível no bojo das ideias rasas ou sensacionalistas é destrinchar e colocar em cheque os elementos discursivos que forjam a subjetividade contemporânea num circuito adequado. Lucas, o professor, segue certo de sua inocência e reivindica sua dignidade sem perder a calma. A docência em tempos de excessiva moral, excessivo cuidado, é o lugar ainda de uma tarefa ética, notadamente, a despeito dos ruídos doutrinários dos ditos “especialistas”. Esse professor ficou de cabeça erguida diante do abismo.

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    2. o filme é assustador! Pensei que não conseguiria ver o filme até o final. Mas, o vi! Depois de seu término, fiquei cansado de tanta tensão e com um sentimento horrível de medo. Fica a lição do filme reforçada nos comentários. Em tempos em que ser bom moço está na moda, em que tantas reputações ilibadas são postas guela a baixo do mundo, há que se refletir sobre qual ideologia está sendo absorvida pelos cidadãos médios.

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